Taxista doidão em Bariloche





Era madrugada fria em Bariloche, imagino que umas cinco ou seis e pouco, e acordávamos após uma leve noite de farras e despedidas do pessoal do albergue “Perikos!”, muito simpático por sinal. Bariloche é muito legal, mas é necessário muito, mas muito dinheiro mesmo pra curtir de maneira plena por lá, e olha que não era alta temporada!! No entanto, é um local pra se conhecer por muito tempo, e uma semana é insuficiente pra isto! É lago pra dar e vender, paisagens de sonho, ilhas encravadas em lagoas esmeralda e cor turquesa, montanhas para desbravar e acampar que não acabam mais, etc. Tudo isso dentro de um cenário natural dos mais belos possíveis, que até serviu de inspiração para as florestas do desenho Bambi, de Walt Diney. Tanto é que camping lá é estilo de vida!

Nos disseram que, por não haver muitas opções de vida boêmia – e não há mesmo, são raras as danceterias, boates e barzinhos como os daqui – a juventude lá curte mesmo é fazer trilhas e acampar, e sempre há sítios novos a se descobrirem. Felizmente fizéramos o básico, que realmente nos interessara. Porém, se dependesse de mim, ficava mais um pouco pra desbravar mais e mais trilhas naquele local aprazível, porém caro e de frio desgraçado!! O pessoal do albergue é bem descolado, descontraído e realmente te faz ficar bem à vontade lá!

Pois bem, acordamos cedinho e tínhamos que arrumar rapidamente nossas coisas, pois estaríamos saindo de
Bariloche rumo ao Chile, e tínhamos que chegar a tempo no terminal para não perder o ônibus às 7, que iria cruzar a Cordilheira dos Andes!

Acontece, porém, que ao levantar não havia luz alguma e, estranhamente, não havia energia! Chovia razoavelmente lá fora – felizmente não estava nevando, seria pior – e o albergue estava completamente imerso na escuridão. Imaginei que fosse em função da chuva, mas era difícil crer que uma simples chuvinha fosse “empacar” a rede de Bariloche tão facilmente, afinal, Bariloche é Bariloche!! Devem haver geradores reservas pra manter toda essa infra-estrutura que é totalmente voltada para o turismo funcionando! Não era o caso… E olha que a infra-estrutura do albergue era exemplar, com uma boa dose de calefação e todas as regalias imagináveis!

Bem, acontece que a falta de energia nos obrigou a fazer tudo às escuras e, felizmente, eu tinha uma velinha que quebrou temporariamente nosso galho. Mesmo assim foi dureza arrumar nossas mochilas, ir ao banheiro, tomar um café e mastigar algo naquele “bréu” todo, já que éramos as únicas almas vivas naquela madrugada, que se anunciava fria e preguiçosa. Terminado o sadio ritual do café-da-manhã ficamos esperando na entrada o táxi (ou remisse, como os argentinos chamam) que no dia anterior reservamos pra que nos levasse ao terminal, distante alguns quilômetros. A chuva caía insistentemente e rapidamente o táxi chegou. Colocamos a bagagem atrás e entramos no veículo. Eu sentei ao lado do motorista; minha colega, atrás.

De repente, notamos que a luz retornava às ruas, menos mal. Logo a seguir o silêncio parecia ser nossa companhia até o final do percurso, visto que o taxista não tinha cara de ser comunicativo ou algo que o valha. Pra quebrar um pouco o gelo – que já bastava do tempo propriamente dito – puxei conversa com o cara. Não sei se disse as palavras certas ou não, apenas sei que destravei o cara a tal ponto que ele desandou numa conversinha pra lá de esquisita. Se me recordo bem, merece até transcrição, e foi mais ou menos assim:

– Chuvinha chata esta, não? Provocou até queda de energia… – falei, bem sossegado.
– Pois é, isso sempre ocorre quando os UFOS passam por aqui… – respondeu o motorista, naturalmente.
Imaginei ter escutado mal, razão pela qual procurei me convencer de que tinha de fato ouvido isso.
– O quê????
– Sim, os UFOS!! Foram eles que deixaram a cidade escura! Eles sempre passam por aqui! – falou o cara, já se animando.
– Tá brincando!!! Sério? – falei, demonstrando interesse.
– Sim, eles sempre passam por aqui; às vezes tem contato com as pessoas!!
– Como o senhor sabe disso? – perguntei, forçadamente desconfiado.
– Oras, eu mesmo já vi um montão em tal e tal local! – respondeu, convicto.
– Mas como o senhor sabe que são UFOS? Podem ser qualquer coisa… – indaguei, tentando encurralar o doido.
– Por que o Benitez me incumbiu da função de ficar de olho nos avistamentos daqui, que são freqüentes, porém nunca divulgados!

Pronto, por mim já não havia necessidade de ouvir mais nada; mas acredite ou não, se não era séria, a conversa estava muito divertida. Até ali tudo até que tinha sua parcela de credibilidade, mas na hora que o cara se coloca como “serviçal-olheiro” do J.J. Benitez, autor do best-seller “Operação Cavalo de Tróia”, a coisa já parece estar saindo dos trilhos.

Tínhamos pego o táxi logo com um biruta digno de figurar no seriado “Arquivo X”, doidinho, doidinho. Felizmente a neurose dele era inofensiva e muito divertida. Minha colega, que acordara de mau humor – pra variar – já esboçava um interesse pela prosa e desferia uma discreta risada de deboche, no banco detrás do táxi.

– Jorge, não entendo muito bem o espanhol, mas o que ele tá falando é isso mesmo que eu tô pensando? – cochichou ela, curiosa.
– ÉÉÉÉ!! – respondi, segurando o riso.
– Ahhh, seiiiii… – falou ela, sorrindo maliciosamente.

Logo, o motorista, que até então estava tão silencioso, começa a falar pelos cotovelos, entusiasmadíssimo. Muitas vezes ele até ficava falando diretamente pra nós, nem prestando atenção na rua pela qual dirigia, embora estivesse deserta naquelas horas. A viajem de táxi, que prometia ser sacal e entediante, estava sendo uma doideira só!! Minha colega me olhava sarcasticamente e vez por outra dirigia alguma pergunta ao cara.

– Sim, o Benitez tem olheiros pelo mundo todo!! Eu sou um dos de Bariloche!! – reiterava o cara, orgulhoso.
– Mas olheiro pra quê? – perguntei, dando mais corda ao homem.
– Pra fazer uma classificação dos avistamentos e dos seres!! Há tempos que avistamentos e abduções ocorrem aqui!!
– Ah, é??? – perguntei.
– Sim, pois tem os UFOS bons e os UFOS maus… – falou o cara, com toda a convicção do mundo, só faltando jurar de pé junto.
– Bons e maus… – pensei, tentando assimilar essa informação.

Nem havia notado, mas já era final de viajem. Chegáramos à rodoviária. Por incrível que pareça, queríamos ficar batendo papo com o cara por mais e mais tempo. Era conversa pra noite toda e fluía tão naturalmente como surgira. Sem dúvida, esse cara tinha ainda muito mais coisa pra contar. Nos despedimos e nos encaminhamos ao ônibus que nos levaria ao outro lado da Cordilheira.

A chuva nos dava uma trégua permanente. Minha colega alentou a possibilidade de que talvez o taxista tivesse “tirando uma” da gente. Pode ser, mas via difícil. Só sei que, quando menos se espera, se encontra os tipos mais estranhos possíveis, e figurinhas carimbadas desse tipo não se limitam somente ao nosso Brasilzão; podem sim, ser encontradas nos nossos países “hermanos tambien”!

A tempestade de neve que nos aguardava na Cordilheira era brava, mas era nossa menor preocupação; quem sabe, preocupação mesmo fosse uma eventual possibilidade de abdução pelos UFOS maus, não?

Autor: Jorge Sepulveda.
E-mail: jorge_beer@hotmail.com

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Mauricio Oliveira: Maurício Oliveira é social media expert, consultor e influenciador de turismo e empreendedor. CEO do portal Trilhas e Aventuras, também conta suas experiências de viagens pessoais no blog Viagens Possíveis. Especialista em Expedições na Rota das Emoções e Lençóis Maranhenses. Ama o que faz no seu trabalho e nas horas vagas também gosta de viajar. Siga no Instagram, curta no Facebook, assista no Youtube.
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